quinta-feira, 25 de março de 2010

À procura de uma identidade…

Artigo Publicado no Jornal Viver a Nossa Terra ed. Abril 2010

A criança que eu fui chora na estrada.

Deixei-a ali quando vim ser quem sou;

Mas hoje, vendo que o que sou é nada,

Quero ir buscar quem fui onde ficou.

Fernando Pessoa

Quantos de nós temos saudades das amizades, brincadeiras, ambientes, espaços, enfim, da criança que fomos e de como vivemos… Ainda bem que assim é… Eternos saudosistas? Penso que não, até porque a idade ainda não se me oferece a tais saudosismos. Antes, talvez, a vivência de tempos de alegria, partilha ou cumplicidades próprias de crianças.

A reflexão nasceu na noite em que o CCDR organizou uma Noite de Conversas Partilhadas sobre a imprensa Regional/Local.

Coincidência ou não, encontro um amigo de infância que não revia há longos tempos, mas que pela função que ocupa profissionalmente fez parte da panóplia de convidados Clube de Cultura e Desporto de Ribeirão.

Ironia… a conversa evoluiu para o campo da internet como espaço social (conceito Web 2.0). Questionou-se se este não será um espaço a usar, também, pelos media locais/regionais. Inegável, parece-me, este fenómeno, mas exigente de cautela e digno de reflexão.

Que sociedade cultivamos? Que iremos colher? Teremos, porventura, noção que somos, também nós, semeadores das gerações vindouras? Será que um olhar unilateral sobre a influência da internet na geração teenager não é, também, contribuir para uma geração de tamanho único e pronto-a-vestir que fala João Formosinho?

O jornal local, em formato de papel que retrato um povo, não fará já parte da nossa identidade enquanto povo e enquanto cidadão de uma terra?

Que raízes estão a ser criadas quando os espaços sociais são tão voláteis, impessoais, mas ao mesmo tempo, tão abertos e ao gosto de cada um, desde os já tradicionais Blogs, aos Fotologs, passando pelos Instant Messenger, Facebook, Hi5, Twitter e mais recentemente, Buzz. Cidadãos da terra de ninguém, ou mais grave, cidadãos sem terra? rosto

Uma coisa é inegável, só este ciberespaço tem o poder de transformar, de forma contagiante, um sem abrigo no homem mais cool da China só porque uma foto sua foi publicada online, como aconteceu com Xi Li Ge.

Na tentativa de elaborar uma tipologia destas redes sociais salta-me, em primeiro ligar a interacção, como grandeza inquestionável destes modernos espaços sociais. No entanto, surge-me outra questão, levantada pela primeira, a identidade…

Que identidades estão a crescer? Não posso deixar de escrever aqui as palavras de Nietzsche “Agrado-te, os meus discursos atraem-te, // Queres seguir-me e seguir os trilhos dos meus passos? // Segue-te fielmente a ti mesmo. // E assim me seguirás… muito suavemente, muito suavemente.”

Será que estamos a permitir que cada um se conheça suficientemente bem para se seguir a si próprio?

Continuo a acreditar que a riqueza do homem está na capacidade de se adaptar ao mundo e de ajustar este às suas necessidades. Neste sentido acredito que o unilateral estará sempre, no mínimo, com o problema do condicionamento da sua perspectiva, por isso, prefiro o híbrido, à semelhança b-learning em prejuízo do e-learning para o ensino.

Será que estas crianças, do light, do virtual um dia saberão quem foram? Não sei, mas que ao menos não constatem que o que são é nada

Miguel Maia

Um comentário:

Anônimo disse...

Os espaços virtuais são na sua maior parte dos casos um "mise–en–scène", pela teatralidade no desfile de personagens com identidades cada vez mais co-construídas e com significância muito relativa... Na minha opinião, o avatar e outros artifícios (ir)reais podem favorecer a interacção virtual com o Outro, contribuindo necessariamente para uma melhoria da comunicação e seu entendimento na vida real... Concomitantemente, identidades vão crescer, solidificar e influenciar... No entanto, é preciso que o Homem queira que assim aconteça...